Embora não esteja plenamente resolvida, a crise europeia vive uma fase de abrandamento após o acordo alcançado pela Grécia com as instituições credoras. Não há dúvida de que o acordo evita o iminente colapso do sistema financeiro mundial, cujas repercussões seriam desastrosas para todos. A moratória da Grécia traria incertezas e apreensões que colocariam o sistema bancário europeu à beira do abismo.
Entretanto, a predominância do bom senso não traduz uma situação de apaziguamento para a economia mundial. A desaceleração da China, cuja previsão de crescimento é de 7,5% para este ano (abaixo dos 9,2% registrados em 2011 e dos 10,4% de 2010), traz novas “dores de cabeça”, seja do ponto de vista da redução do volume das importações e/ou da queda dos preços das principais commodities agrícolas e minerais, o que se refletirá diretamente no saldo da balança comercial brasileira e das demais nações que exportam para China.
Além disso, a estratégia do governo chinês de deslocar o eixo de crescimento da economia das exportações para o consumo doméstico, mantido o ritmo dos investimentos, já está trazendo impactos diretos sobre o custo salarial, e, consequentemente, empurrando a produção manufatureira intensiva em mão de obra para países vizinhos como Coréia do Norte, Camboja e Vietnam. Logo, a acirrada concorrência com os asiáticos não se esgota na China e avança para uma nova etapa.
A presidente Dilma Rousseff sintetizou esse arranjo de problemas ao falar em um “tsunami monetário”. O governo critica a estratégia do mundo europeu de injetar liquidez nos mercados, assim como fizeram os Estados Unidos em anos anteriores, ao invés do uso de incentivos e desonerações fiscais para alcançar o equilíbrio da economia.
Nesse contexto, ela enfatiza que, diante da desvalorização artificial das moedas dos outros países, o Brasil tomará todas as medidas que não firam as disposições da OMC para evitar que essa movimentação das moedas desindustrialize a economia brasileira.
Nesse caso, a retórica deve ser posta de lado e as ações operacionalizadas com maior rapidez e efetividade. No entanto, confrontando-se ao discurso da Presidente, determinadas situações provam que a retórica permanece distante das ações efetivas. Em que pese as intervenções do Banco Central e medidas no âmbito do IOF, o Real foi uma das moedas que mais se valorizou nos primeiros três meses de 2012. A redução da Selic de 10,5% para 9,75% ainda mantém o País na incômoda liderança do ranking das maiores taxas reais de juros do mundo.
Objetivamente, a indústria precisa de águas tranquilas para gerar bons resultados e oferecer tais condições parece-nos papel do governo. Não reivindicamos protecionismo e nem condições fora da legalidade para trabalhar. Precisamos de uma política industrial que lance definitivamente as bases para o desenvolvimento sustentado. Nesse sentido, estudo recente do IPEA mostrou que a falta de uma estratégia para o setor industrial e de investimentos em infraestrutura acentua o processo atual de desindustrialização precoce no Brasil.
Dados do IBGE mostram que, em 2011, a participação da indústria de transformação no PIB brasileiro atingiu 14,6%. Com este resultado, voltamos ao nível dos anos de Juscelino Kubitschek (13,75%), num gritante retrocesso. Ainda no ano passado, a produção industrial como um todo (incluam-se aqui construção civil, extrativa mineral e produção de energia) cresceu apenas 1,6%. Este foi um dos piores desempenhos dos últimos anos e deixou a indústria muito atrás das demais atividades da economia. Acrescente-se a isto o fato de que o déficit da balança comercial de produtos manufaturados, entre janeiro de 2011 e janeiro de 2012, alcançou a inacreditável cifra de US$ 94,3 bilhões.
Ao longo dos últimos anos, a Abinee, cumprindo seu papel de representar o setor eletroeletrônico, levou aos governos propostas de alto nível, desenvolvidas por experientes e expressivos executivos do setor eletroeletrônico, assessorados por consultores em políticas públicas de renome internacional. Apresentamos propostas de medidas factíveis, tanto pontuais, visando problemas emergenciais, como estruturais, objetivando a definição de uma estratégia de longo prazo. Infelizmente, muito pouco ou quase nada foi acolhido.
Em função de todas as dificuldades enfrentadas pela indústria instalada no país, o setor produtivo e trabalhadores decidiram unir-se em uma luta comum, pelo objetivo de alertar a sociedade para o processo de desindustrialização precoce da nossa economia. A indústria está cada fez mais frágil, o que já está refletindo na perda de postos de trabalho e na capacidade futura de desenvolvimento da nação.
A mobilização, denominada de “Grito de Alerta”, está ganhando as ruas de diversas capitais do País como Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, São Paulo e Brasília, e deverá se estender para Belo Horizonte, Manaus, Salvador, Recife e Fortaleza. O objetivo é fortalecer a ideia de que algo precisa ser feito imediatamente para mudar este cenário tenebroso. Ou seja, temos que evitar que o país plante hoje a destruição da renda e do emprego que colherá amanhã.
Acompanha esse alerta um documento que será entregue às autoridades, contendo uma série de medidas horizontais que, se adotadas, podem mudar o atual rumo e elevar a indústria ao seu tradicional patamar de geradora de tecnologia, riqueza e emprego.
É importante que o governo brasileiro entenda que atingimos um ponto de inflexão. Agir com rapidez e na direção correta pode assegurar uma virada positiva para a indústria de transformação instalada no país. Do contrário, vamos guardar o sepulcro da indústria.
(*) Humberto Barbato, presidente da ABINEE
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